Treinos na praça, goleira improvisada e falta de recursos: conheça o time que perdeu de 56 a 0, mas não desistiu do futebol
Jogadoras e comissão técnica falam sobre as dificuldades para disputar o Estadual, estrutura precária do clube e comentam sobre repercussão do resultado contra o Flamengo
Por Bernardo Serrado e Débora Gares — Rio de Janeiro
Qualquer clube ficaria abalado e entraria em crise após uma goleada de 56 a 0 em um campeonato oficial. Mas o Greminho, clube que foi formado em 1996, mas com o futebol feminino sendo criado há apenas um mês, a partida contra o Flamengo pode se tornar um marco na curta história do futebol das mulheres no clubes.
Hamilton Silva, 33 anos, é motorista particular e atualmente acumula as funções de técnico e dirigente do pequeno clube carioca. E é ele o responsável por contar um pouco da história do nome desse time. Tudo começa com uma homenagem a um antigo presidente do clube. Da paixão pelo time gaúcho, o Grêmio de Football Porto Alegrense, mais o apelido do então presidente Luis, o Miminho, nascia ali o nome do clube: Greminho. Para o dirigente, a luta do time seguirá sendo a mesma, independente de qualquer resultado.
- A gente procurou sempre curtir a oportunidade. Nunca pensamos em resultado. Sonho, ver essas meninas sonharem com algo melhor. Entrarem num campo profissional. Acho que nenhum placar alterou essa nossa motivação - disse Hamilton Silva.
Clube possui apenas dois jogos de camisa para as partidas de todas as quatro categorias — Foto: Hamilton Silva - Greminho
Além da precariedade do clube, outro fator também foi fundamental para explicar essa disparidade entre Flamengo e Greminho no placar:
- Foi uma história única, começamos o jogo sem goleira reserva e ai a nossa titular se machuca. Não queríamos que o jogo acabasse. Ai nossa zagueira Muriel foi pro gol e acabamos tomando mais gols. Mas faz parte. Não desistimos da partida hora alguma - disse o dirigente do Greminho.
Apesar das meninas terem recebido apoio e muito carinho nas redes sociais, o resultado expôs muito mais que apenas a fragilidade do pequenino time amador do Rio de Janeiro. Deixou claro que o modo como a competição foi criada poderia ter sido revista. Com a repercussão do placar, a FERJ recebeu uma chuva de críticas.
No atual formato, o Estadual do Rio conta com 29 equipes divididas em cinco grupos. Sendo que um dos grupos ficou com quatro times, o que faz com que sempre na rodada alguns times tenham "folga". Mas Hamilton não culpa a federação do Rio.
- Eu não culpo a FERJ, ela viu como uma oportunidade para as meninas. Quem faria a gente enfrentar o Flamengo? Claro que poderia fazer uma categoria só de amadores, mas a gente também viu como oportunidade e estamos agradecidos por isso - conta Hamilton.
FERJ se defende das críticas
Procurada pela reportagem do GloboEsporte.com, a Federação do Rio deu sua versão o modelo da competição em 2019. Para Marcelo Vianna, diretor de competições da FERJ, o campeonato no formato atual é uma oportunidade de novas equipes e jogadores surgirem e serem vistas por todos.
- Exclusão nesse primeiro momento não era o que pensávamos. A ideia era agrupar todos. Lógico que sabíamos do desequilíbrio estamos juntando amadores com profissionais, mas estamos dando chance de aparecer, mostrar seu trabalho. Até nas coisas que teoricamente são negativas podemos encontrar as coisas boas - disse Marcelo Vianna.
Ano que vem o formato da competição ainda deverá seguir o mesmo molde de 2019. Mas a Federação estuda mudanças e diz estar ciente que no primeiro momento o desnível entre os clubes e atletas seria visível.
- A gente sabe do desnível técnico e atlético. Mas a gente acredita que isso seja importante dar essa oportunidade dessas meninas aparecem. Na minha visão e dentro do meu entendimento eu não vejo negatividade. Mas vamos planejar o futuro. Para as próximas competições pensar em formatos - avalia o diretor da FERJ.
Estrutura precária e sonho com apoio
O GloboEsporte.com foi conhecer de perto o clube situado no Cosmos. A equipe não possui uma sede e treina em uma praça situada na rua Sebastião da Silva Pantaleão. A situação é precária, o campo tem uma grama bem rala e não cabem 11 jogadores de cada lado. Bem no meio há um pedaço totalmente careca. Geralmente o treino precisa ser feito com apenas seis jogadores por time. Homens e mulheres treinam ao mesmo tempo e o clube possui quatro categorias no momento: sub 15, sub 17, futebol feminino e time amador.
Goleira Thayane mostra o local que as jogadoras trocam de roupa para o treinamento: Carro — Foto: Bernardo Serrado - GloboEsporte.com
Não há vestiários, as jogadoras que chegam sem uniforme precisam se trocar no carro do treinador. Além disso, precisam levar sua própria água. Falta todo tipo de material, desde caneleira, chuteira e até a rede do gol. O time só possui dois jogos de uniforme que são usados por todas as categorias. Bola então, apenas duas dadas pela FERJ. E que precisam ser usadas em treino e jogo quando o time for o mandante da partida.
Filiado a FERJ desde 2017, o time conta com jogadores de 15 a 36 anos, mas a grande maioria está na faixa dos 20 anos. Sobre as dificuldades, o presidente/técnico acredita que elas atrapalham demais o processo do time, mas ressalta que não farão o clube desistir do sonho de fazer as meninas de Cosmos jogadoras de futebol e abre o clube para quem quiser ajudar.
Campo do Greminho mostra o estado precário em que o time treina diariamente — Foto: Bernardo Serrado - GloboEsporte.com
Capitã dividida entre o futebol e o MMA
Maria Eduarda, mas pode chamar de Duda, 20 anos. Capitã do time e uma das promessas do Greminho, ela acredita que não foi a melhor forma de se ter uma exposição na mídia, mas ressalta que o clube precisa saber aproveitar o momento para tirar algo de positivo desse resultado. A menina que faz MMA há seis anos, hoje em dia se divide entre fazer trufas para ajudar nas receitas, já que o Greminho não possui renda alguma. As meninas jogam por puro amor ao esporte. Nas redes sociais, elas foram bombardeadas por mensagens de carinho, apoio, mas nem todas foram agradáveis de se ler.
- Muita gente criticou. Mandou trocar de esporte. Mandando ir para cozinha, cuidar dos filhos. Mas lugar de mulher é aonde a gente quiser. E nós vamos continuar seguindo nosso sonhos. Sonho de ser uma jogadora. Conseguir uma oportunidade de viver só do futebol - disse a capitã do Greminho.
Duda é a capitã do time do Greminho — Foto: Hamilton Silva - Greminho
E o time voltou a campo pela quarta rodada do Campeonato Estadual, nesta quarta-feira, dia 02/10, enfrentou a Seleção da CUFA e foi derrotada por 6 a 1.